- por ColabCine 13 de novembro de 2021
TRÊS DIFERENÇAS ENTRE ESCREVER UMA SÉRIE E ESCREVER UM FILME
Tempo de leitura: 12 minutos
Por mais que partilhem do mesmo universo de sentidos – o audiovisual – e muitas vezes são veiculados nas mesmas telas e plataformas, o cinema e a TV são formas de arte e dramaturgia diferentes.
Para os roteiristas confusos e interessados nos dois meios, conheça três (das diversas) diferenças fundamentais na escrita para seriados e para filmes.
1 – Tempo de Duração
Em uma série de TV passamos muito mais tempo com os personagens. Isso, da perspectiva do roteirista, fornece algumas possibilidades interessantes. A primeira é de representar esse grupo de pessoas de forma mais realista do que num filme. O personagem da série não é submetido às necessidades do enredo, de que cada ação desencadeia uma próxima em breve.
Dessa forma, um roteirista de série pode apostar no tempo que o público vai passar com esses personagens. Observando-os ao longo de, talvez, anos, em situações descontraídas que, para a dramaturgia do cinema ou do teatro seriam considerados desperdício de tempo narrativo, o público se apega a esses personagens como se fossem seus próprios amigos.
Parte da fórmula de sucesso das sit-coms está aí. Vale dizer, contudo, que as situational commedies são bem mais leves em dramaturgia, em virtude de sua própria proposta: retratar pessoas “comuns” em sua banalidade.
2- O caráter episódico
O seriado, obviamente, é episódico. O episódio de televisão está entre o filme e o capítulo de novela, nem tão concentrado quanto o primeiro e nem tão diluído quanto o segundo. Ou seja, o episódio precisa apresentar um conflito central a si, como também desenvolver os conflitos universais que pautam a temporada da série. Se engana quem pensa que filmes não podem ser episódicos, também. O clássico La Dolce Vita (1960), de Federico Fellini, é um épico composto de diversos episódios, contando o mergulho profundo na desesperança da devassidão de um jornalista e a perda da inocência na sociedade da boa vida assombrada pela modernidade e pela guerra fria.
É uma sinopse que soa muito familiar nos tempos dos anti-heróis da Netflix e da HBO, não?
Pois então, a Doce Vida de Fellini tem uma estrutura de série, condensada em 3 horas de filme. Seus episódios não são anunciados na tela com títulos como “parte 1” ou “capítulo 2”, tal qual faria Quentin Tarantino. Contudo, todos os seus motivos e dispositivos dramáticos funcionam exatamente como nas séries modernas, mais do que as estruturas fracionadas de Tarantino ou Iñarritu.
Em A Doce Vida, observamos um universo amplo de personagens se encontrando e desencontrando, o passado do protagonista dialogando com suas decisões do presente e um processo lento e inescapável de decadência moral. A questão, para o roteirista, é que em uma estrutura episódica os personagens vem e vão, as históricas começam, param, são retomadas, por vezes voltam atrás ou são alongadas.
Os episódios das séries, deve saber o roteirista, funcionam dentro de um padrão. Em outras palavras, a série não pode perder sua “identidade” de um episódio para o outro. São variações dentro de um formato estabelecido. Levando isso em conta, é importante que os conflitos entre os personagens possam ser repetidos mais de uma vez, sem extinguir a causa desses conflitos com uma solução definitiva.
Ao contrário, um filme, tradicionalmente falando, exige alguns limites. Na maioria dos casos, os acontecimentos de um filme não devem ser episódicos. Isso porque as cenas, no filme, se desenrolam como um fluxo contínuo de acontecimentos, existe um limite de personagens, lugares e conflitos que podem ser inseridos em uma hora e meia a duas. Ademais, os conflitos de em uma narrativa fílmica não costumam se repetir, pois o fluxo é contínuo rumo a resolução. Por isso, boa parte da educação fílmica em roteiro é baseada em ensinar o aluno como desenvolver um conflito central, enxugando o excesso de ideias e situações.
3- A dramaturgia clássica
Alguns dizem que, no ocidente, as boas narrativas do audiovisual, a arte de contar histórias, saiu do cinema e foi para a TV.
A série de TV (ainda) não tem a preocupação com a forma que o cinema independente demonstra hoje, de maneira bem geral. O cinema já há algum tempo conversa mais com sua história, a TV ainda está construindo essa história como uma forma. O foco da série ainda é o personagem, o enredo, a resolução, tal qual o cinema um dia foi apenas imagens de espetáculo.
Esse contexto indica que, tanto por razões mercadológicas quanto por razões técnicas, as séries possuem exigências para garantir sua subsistência e renovação, em outras palavras, o formato de séries levanta um problema central: ela precisa contar uma história, ou várias histórias, e essa história PRECISA prender o público. Do contrário, a série deixa de existir. As respostas para esse problema essencial de produzir e distribuir séries surgem na dramaturgia clássica, nas estruturas ancestrais, nos conflitos básicos, nos temas universais.
Nesse sentido, o filme parece ter a liberdade de poder “enganar” seu público. E isso não é uma afirmação de caráter dos cineastas, essa “trapaça” não é intencional. A diferença é que o filme, uma vez que está feito e assistido, não pode ser “desvisto”, não pode ser abandonado no meio, já está feito, já acabou.
A série tradicional, no formato de temporadas, precisa da atenção contínua do público, precisa de tramas em aberto e promessas grandes. As séries, de certa forma, se beneficiam de ter a grande qualidade de uma fofoca: ser irresistível. E essa característica vem muito pelo nosso interesse em outras pessoas, e a série, também por causa do tempo que se passa com um personagem, tem esse efeito de torná-lo alguém quase real para o público.
Por questões também práticas, como a logística de produção e escrever a várias mãos, a série precisa de uma estrutura organizadora facilmente compreendida e compartilhada por todos os roteiristas e diretores. O filme costuma ser escrito por um, no máximo dois roteiristas.
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