Uns (e outros) jeitos de fazer uma crítica de cinema: Sugestões da ColabCine

O cinema, eventualmente, foi para a humanidade uma nova forma de encarar a realidade. Levou um tempo, mais ou menos 50 anos depois de seu nascimento, para que teóricos e entusiastas nas ruas reconhecessem na sétima arte uma aventura que valia a pena viver, em igualdade com o teatro e a literatura. Sendo feito de todo tipo de contradições – do filme comercial tecnicamente eficiente e, inegavelmente, divertido, apesar de ingênuo, ao experimental intenso, com cara de poucos amigos, mas extremamente sensível -, era impossível não “se deixar levar” pelas maravilhas da telona. Apesar do cenário de distribuição e gosto heterogêneo que existe hoje, difícil dizer que o cinema e seus filmes não continuam, como escreveu Ruy Castro*, “… discutidos à luz da história, da ética, da religião, da psicanálise, da antropologia, do estruturalismo e do cinema mesmo”. Assim como, adiciona, “à sombra da ideologia”.

O fato é que existem muitas maneiras de traduzir filmes em palavras. Todo filme pode ser levado a sério ou tomado na brincadeira, a liberdade de interpretação é sua. Você que tem interesse em escrever críticas, ou desenvolver sua sensibilidade ao cinema e como ele funciona, tome essas sugestões como convites a experimentar, consigo ou com os amigos, em conversa, na redação de um texto ou para filmar um vídeo-comentário sobre um filme que dá vontade de traduzir em palavras.

1 – Cada cena conta.
O cinema chegou aqui vindo de cena em cena. Ao fim da próxima sessão de cinema, identifique seu sentimento geral em relação ao filme. Uma vez com essa palavra ou essa frase em mente, rastreie as emoções ao início da sessão. É o mesmo sentimento? Não? Em que ponto ele mudou? Nesse exercício você identifica a cena que, no fluxo de diálogo entre o filme e você, mexeu contigo. Revisite ela, escreva sobre ela e apenas ela, que vai acabar escrevendo sobre o filme inteiro. Existem dois resultados possíveis, então. Ou vai entender mais sobre o filme e, quem sabe, filmes em geral, ou vai entender mais sobre você. Não deixe de vasculhar a memória por cenas semelhantes em outros filmes, pois a primeira virtude do crítico é a memória.

2 – Valores do filme.
Quem mais influenciou seu gosto em cinema? Da próxima vez que assistir a um filme, leve essa pessoa com você, mas em pensamento. Pelo seguinte: o exercício é identificar o que vocês dois, enquanto apreciadores de cinema, têm em comum. Exerça seu direito à imaginação. Esse filme em questão, tenta saber se a pessoa iria gostar dele e por quais motivos. Cada observação que você fizer sobre o filme, dialogue mentalmente com seu companheiro imaginário. Coloque lado a lado os valores do filme e o dessa pessoa em particular. Assuma essa outra perspectiva olhando o filme, para que suas características que não lhe saltaram aos olhos durante a exibição possam ser percebidas. O filme também é cheio de valores, estéticos e morais, que afetam ao público, em sua interação com os valores que existem em cada um. A partir do que essa outra pessoa pensa que o mundo deveria ser, analise como o filme diverge ou converge com ela. Uma parte importante de praticar a crítica é ter um ângulo para olhar. Tendo uma posição para olhar, é possível que nasça um texto ou um vídeo crítico.


3- Psicanálise ou fofoca?
Fazer um filme é um evento mais que social, é sociológico. A vida privada e a pública misturam-se, numa concentração de nervos, esperanças e pretensões, com o relógio correndo ao fundo. Dentro de um filme existem histórias longas e passados de pessoas reais se encontrando. Não é raro que um diretor ou diretora misteriosos possam ter seus filmes decodificados com facilidade tendo um panorama breve de suas infâncias. Perpassa todo filme, além de uma narrativa, um discurso. Esse é um conceito essencial para muitos críticos. Atualmente, a quantidade de fontes e informações sobre a vida pessoal dos artistas que concebem, montam e atuam os filmes é vasta. Essa sugestão requer uma tarefa de casa antes do filme, mas o exercício de juntar as peças da realidade com as peças da fantasia iluminam tanto uma quanto a outra.


4- Obras completas.
O filme não é uma ilha. Cada obra específica está inserida no contexto geral da obra de seus realizadores. A contextualização é uma das qualidades essenciais do crítico e, também, virtude da palavra. O filme está ocupado com ser o que é, da melhor maneira que consegue. Por isso, contextualizar essa obra é um trabalho posterior à sua criação. Conhecer outros filmes daqueles responsáveis pela construção da narrativa e do discurso, seja diretor, roteirista ou produtor, serve de porta de entrada para traduzir o que é cada um de seus filmes. Essa contextualização só pode ser feita através, é claro, da experiência de assistir aos outros filmes, mas junto com a identificação de pontos comuns e de desigualdades entre um filme e outro. O costume moderno dita que quem é responsável por esses aspectos que colam obras separadas numa obra conjunta e completa é o diretor ou a diretora. Contudo, é possível ver filmes, dentro de conjuntos de filmes, usando de outros agentes. Na Hollywood clássica, por exemplo, cada um dos grandes estúdios abordava histórias e temas de forma própria, o que construía uma identidade de marca para essas empresas. Logo, há um discurso e uma filosofia sobre o cinema diluídos em muitos trabalhos diferentes, mas que são formadores de cada obra em particular.

Aprenda mais sobre o cinema aprendendo mais sobre a crítica. As surpresas que te esperam já estão nos filmes que ama e conhece de cor, mas dependem de seu aprendizado para serem notados. Nosso curso Crítica Cinematográfica é ministrado pelo Giovanni Comodo, crítico e cineclubista experiente radicado em Curitiba. Saiba mais sobre como aprender mais na página do curso abaixo, onde estão dispostas todas as informações que você quer saber.

*Ruy Castro na introdução de Um filme por dia – volume que reúne críticas do brasileiro Antonio Moniz Vianna, um crítico a frente de seu tempo e influente. Organizado por Castro, o livro foi publicado pela editora Cia. das Letras em 2004.

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